Artigo: Avenida Brasília

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Por: Carlos Galuban Neto*

Há uma década, o brasileiro se deleitava com as chacotas em torno de Jorge Tufão, personagem de Murilo Benício no sucesso de audiência Avenida Brasil. O motivo? O sujeito era traído pela esposa, a famosa Carminha, com o cunhado dentro de sua própria casa por anos a fio, sem que sequer esboçasse qualquer reação.

Mas o brasileiro, que ama uma história de traição e adultério, ou Dom Casmurro não seria uma das obras de literatura clássica mais populares do país, não tem mais motivos para sentir falta das piadas em torno de Jorge Tufão. Existe atualmente um tipo de traído tão cômico quanto: o eleitor bolsonarista.

Vejamos: eleito com o discurso antipolítica, mesmo tendo ocupado o cargo de deputado federal durante 30 anos, Bolsonaro não teve pudores em deitar-se à cama com o Centrão; aclamado por ser o candidato defensor da vida, o ex-capitão converteu-se em maior aliado do COVID-19 nas mortes de milhares de brasileiros; visto como o general na guerra contra a corrupção, aparecia frequentemente de mãos dadas com Roberto Jefferson, integrante de praticamente todos os esquemas e negociatas da nova república; tratado como único candidato capaz de entregar as reformas econômicas de que o país precisa, ainda que tenha votado contra até mesmo o Plano Real, praticou populismo eleitoral de dar inveja até mesmo a Cristina Kirchner.

A última traição ocorreu no início da semana: interrogado sobre vídeo em que incitava atos golpistas em suas redes, o ex-presidente saiu-se com um “estava medicado, não tive culpa”. Nenhuma palavra foi dita para ajudar os golpistas presos em 8 de janeiro, os quais, bem sabemos, embora não tenham muita coisa na cabeça, dificilmente teriam atentado contra a democracia não tivesse Bolsonaro feito o mesmo durante anos.

Tamanho o número de provas que atestam o adultério em andamento, os bolsonaristas, como seria de esperar, dada a combatividade “contra tudo que está aí” durante os anos petistas no poder, já pensam em divórcio, certo?

Mais ou menos. A julgar pelas reações nas redes sociais, o eleitor bolsonarista parece estar em processo de divórcio, não com o seu ídolo máximo, claro, mas com a realidade. Sempre que confrontado com informações negativas a respeito do “mito”, o bolsonarista reage indignado, com ataques contra a imprensa, a mídia, os comunistas, petistas, tucanos, atores globais, que, em conjunto, conspiram contra os interesses mais nobres do país.

Todo mundo tem aquele amigo (a) que, quando informado de que está sendo traído pelo parceiro, acaba por, no lugar de encerrar imediatamente o relacionamento, cortar relações com os mensageiros, como se estes fossem os culpados pelas más notícias.

De fato, não há dúvidas de que o eleitor bolsonarista, tal qual Jorge Tufão, é um traído conformado, vítima de um relacionamento abusivo. Justiça seja feita ao personagem, contudo, deve-se registrar que o adultério cometido por Carminha tinha lá seus patamares mínimos de discrição, de modo a evitar flagrantes constrangedores.

O bolsonarista, por sua vez, nem esse refresco tem, uma vez que o adultério do ex-presidente é diariamente escancarado nas manchetes de jornais. Jorge Tufão pode celebrar: o bolsonarista lhe roubou o título de corno mais manso que esse país já viu.

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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